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Foto do escritorWilges Bruscato

AMBIENTAL - TEXTO 8: RESPONSABILIDADE PENAL E DANO AMBIENTAL

Atualizado: 28 de abr. de 2021


NOÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE PENAL POR DANO AMBIENTAL



INTRODUÇÃO



Conforme já observamos, um mesmo ato ou omissão que cause dano ambiental pode resultar em consequências administrativas (sanções e restrições impostas por representantes do poder executivo – membro do SISNAMA), civis (recomposição, podendo reverter em indenização) e, também, em consequências penais, se o fato constituir tipo penal.


A parte do direito que se ocupa dos crimes é denominada direito penal. Ele regula o poder punitivo do Estado. Ele trabalha, basicamente com a reprovação de determinadas condutas e a fixação de castigos para quem as comete. É uma das manifestações mais antigas do direito, existindo desde a Antiguidade.


É claro que, como tudo o mais, o direito penal vai evoluindo conforme as sociedades evoluem. Por exemplo, na época do Rei Hamurabi (Babilônia, 1770 a.C.), era usual a aplicação da lei do talião, que conhecemos através da máxima: “olho por olho, dente por dente”. Isso significava que se alguém sofria uma ofensa, poderia retaliar o ofensor da mesma forma. Se alguém tinha o filho assassinado, tinha o direito de assassinar o filho do ofensor. A lei penal era baseada na vingança, o que, hoje, é impensável.


Mas, é preciso saber que a lei do talião foi estabelecida para dar reciprocidade na punição dos crimes, porque, antes dela, o ofendido não tinha limites na sua vingança. Se alguém matava um animal seu, em resposta ele podia arrasar com a casa, os bens, a família do ofensor, por exemplo. Então, a própria lei de talião, que achamos tão primitiva, na verdade, já foi um avanço, para colocar limite na vingança pessoal, que era a forma de punição permitida.


Com o passar do tempo, as sociedades foram tirando o direito de punir das mãos dos particulares para trazê-lo para a autoridade do Estado. E é assim hoje, na maioria dos países.


Por isso, a matéria tratada pelo direito penal é de ordem pública e o Estado, representado para esses fins pelo Ministério Público (promotores de justiça, já citados), é o titular do direito de perseguir o criminoso e lhe impor pena, nos termos da lei (crimes de ação penal pública), e não a vítima, propriamente, a não ser em casos específicos (crimes de ação penal privada). O direito penal também está dividido em material (direito penal, propriamente dito) e processual (direito processual penal).


O direito penal é o que se encarrega de estabelecer quais condutas serão consideradas delituosas e as penas correspondentes. Mas é o direito processual penal, no entanto, que vai dar os parâmetros para que o criminoso seja processado, vai estabelecer as regras do processo, para apuração do crime e fixação da pena no caso concreto.


Essa é a área do direito que combate as infrações penais (delitos, crimes), aplicando penas e medidas de segurança. O direito penal se ocupa das condutas humanas consideradas de maior gravidade pela e para a sociedade, aquelas que põem em risco a estabilidade social, o que autoriza que a reparação penal se faça por meio de punição física, via de regra, consubstanciada na restrição da liberdade de ir e vir. Por isso, o direito penal é considerado a ultima racio, ou seja, pela gravidade de suas penas, só devem ser criminalizadas condutas que ofereçam grande risco à estabilidade social.


Para que um ato ou omissão seja considerado crime, deve existir a descrição da conduta delituosa na lei, especificamente.


Nosso direito penal é bastante inspirado no direito penal alemão.


A lei penal, diferente do que pensa o senso comum, não proíbe as condutas. Ela trabalha com a descrição da conduta e a atribuição de pena. Por exemplo:


“Código Penal, Art. 121– Matar alguém.

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.”


Assim, não existe, propriamente, uma proibição. Mas, quem praticar a conduta descrita na lei estará sujeito às penas previstas para ela.



CONCEITOS PENAIS IMPORTANTES



Antes de tratar dos crimes ambientais, abordaremos, muito rapidamente, alguns conceitos básicos do direito penal, como crime, excludente de ilicitude, dolo e culpa, anterioridade e irretroatividade da lei penal, autoria, pena e norma penal em branco, para facilitar a compreensão do nosso tema.



CRIME E SEUS ELEMENTOS



Existem algumas teorias que procuram definir o que seja crime, do ponto de vista jurídico. A mais adotada é a teoria tripartite, para a qual crime é todo fato típico, antijurídico e culpável.


Dessa forma, para que um fato seja perseguido como crime, num caso concreto, ele deve se encaixar nos três elementos: a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade.


A tipicidade determina que a conduta praticada, para ser crime, deve estar exatamente descrita na lei penal. Assim o tipo penal é a descrição precisa do comportamento humano feita pela lei penal, que vai merecer punição. Vamos a um exemplo, contido no Código Penal:


Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


Se alguém subtrai, retirada da posse, para pegar para si mesmo ou para outra pessoa, uma coisa que está na esfera de domínio, de propriedade de outrem, e essa é uma coisa móvel, pratica o tipo furto. Perceba-se que tudo tem que se passar conforme está descrito no tipo: tem que ser uma coisa móvel, ela deve sair da esfera da posse de seu titular e deve passar para o domínio do agente ou de um terceiro.



A antijuridicidade diz respeito à ilicitude da conduta. Parece estranho colocar em questão se a conduta típica praticada é lícita ou ilícita, uma vez que dissemos que a prática do tipo configura crime. Porém, a lei penal reconhece que podem ocorrer circunstâncias que justificam a prática do tipo e, nesses casos, ela deixa de ser antijurídica e passam a ser direito de agir. É claro que se tratam de exceções. A regra geral é que, praticado o tipo, há crime.


E quais são as situações que retiram a ilicitude da conduta típica?


São quatro (art. 23, CP): estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito. Vamos entendê-las.


O estado de necessidade se configura na pratica do fato típico para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. São situações de perigo que justificam uma ação típica em nome de um bem maior. Um exemplo: alguém que arrebenta o para-brisas de um veículo para salvar uma criança que esteja presa dentro do mesmo, estacionado por horas no sol escaldante. O agente terá praticado o tipo dano (art. 163, CP: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia), mas a ilicitude da conduta será retirada, por tê-lo praticado para salvar uma vida humana. O perigo para a vida da criança era atual, o agente não foi quem deixou a criança trancada no carro, o agente não tinha outra forma para abrir o carro, havia um direito alheio (a incolumidade física e mesmo a vida da criança), que não era justificável sacrificar (deixar a criança morrer para não danificar o veículo).


No estado de necessidade, há mais de um bem jurídico protegido em risco e a preservação de um depende da destruição do outro. Quem tenha o dever legal de enfrentar o perigo, não pode alegar estado de necessidade. No exemplo dado, se a pessoa que vai resgatar a criança é um bombeiro, ele deve fazer uso de outra forma para abrir o carro que não cause dano ou cause o mínimo possível; caso contrário, responderá pelo tipo do art. 163, penalmente, e o Estado responderá civilmente, indenizando o proprietário do veículo (vimos que a responsabilidade civil do Estado é objetiva).


A legítima defesa é mais conhecida do senso comum. Juridicamente, ela está descrita como o uso moderado dos meios necessários, para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Então, desde que alguém esteja sofrendo uma agressão injusta (não foi a pessoa que deu causa a agressão, agredindo primeiro) ou se veja na iminência de sofrer a agressão a direito seu ou alheio (incolumidade física, bem patrimonial, inviolabilidade de domicílio etc.) pode usar os meios que tenha à mão, moderadamente, para repelir e fazer cessar a agressão. Falamos disso no texto anterior.


O estrito cumprimento de dever legal se refere à prática de uma conduta típica, mas em razão do desempenho de uma obrigação legal importa ao agente, em geral, servidor público, que deve intervir na esfera privada para garantir o cumprimento da lei ou das ordens legais superiores. Algumas vezes, para que o dever seja cumprido, o agente pode praticar o tipo penal, pois, de outra forma, não se daria cumprimento à lei. Imagine a situação em que o agente penitenciário tranca os presos na cela e os mantém em cárcere. Estaria praticando o tipo do art. 148 do Código Penal? Sim, mas para cumprir seu dever legal. O mesmo se diga de agentes policiais que, em perseguição a um criminoso, invadam sua residência para capturá-lo. Embora pratiquem a conduta descrita no art. 150, CP, o fazem para cumprir dever legal e, nesse caso, a violação do domicílio estará isenta de ilicitude.


E, finalmente, temos a figura do exercício regular de direito. Todos nós temos direitos, das mais variadas ordens. O direito nos confere uma faculdade de agir, no sentido de um poder de agir. Dessa forma, quando possuo habilitação para condição de veículos automotores (CNH categoria B, por exemplo), tenho a faculdade de dirigir, ou seja, eu posso dirigir um automóvel. Estou no meu direito. Mas se, embora tendo a faculdade de conduzir veículos automotores na categoria B, eu engato um trailer no meu carro, estarei exercendo um direito de forma irregular, pois, para isso, eu precisaria ter CNH categoria E e, portanto, me excedi ao exercer o meu direito, abusei do meu direito.


Entendida essa noção, se, ao praticar um fato típico o agente está no exercício regular de um direito seu, a ilicitude cede e ele não responderá pelo crime. Algumas situações ajudam a ilustrar: a de lesão corporal (fato típico, art. 129, CP) oriunda da prática de esportes violentos, como o boxe e, mesmo, o futebol, desde que cumpridas as regras esportivas; a lesão corporal cometida pelo cirurgião ao operar um paciente; o corte (art. 163, CP) de galhos ou raízes de plantas que do vizinho que ultrapassem o limite entre as propriedades; a utilização de cadáver (art. 212, CP) para finalidade didático-científica.


Dessa forma, ainda que o agente pratique tipo penal, se a conduta se deu dentro de uma das situações de excludentes de ilicitude, ela não será criminosa, por lhe faltar o elemento da antijuridicidade.


Compreendidas a tipicidade e a antijuridicidade, resta falar do terceiro elemento do crime: a culpabilidade.



CULPABILIDADE



A culpabilidade se refere ao juízo de reprovação social que incide sobre o fato e seu autor. Assim, ao praticar a conduta típica, o autor do crime deve ser imputável, ou seja, é preciso que na situação em que a pratica da conduta típica e antijurídica ocorreu, o autor tenha tido a possibilidade de se comportar conforme a lei. Não pode ser responsabilizado penalmente, quem não é culpável. A culpabilidade está ligada aofato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico.


Uma observação: a inclusão da culpabilidade como elemento do crime é um pouco polêmica na doutrina penal, pois há entendimentos que a teoria do crime é bipartite, englobando apenas tipicidade e antijuridicidade. No entanto, como essa é uma questão extremamente técnica e considerando que, o interesse da população em geral é o resultado da apuração do crime, a imposição ou não da pena, isso passa a ser um detalhe, ainda que importante. Por esse motivo, só fazemos esse breve registro a esse respeito, pois estamos trabalhando com a teoria tripartite, como mencionado.


Vamos adiante.


Para que a culpabilidade se caracterize em determinado fato típico, devem estar presentes i. a capacidade de culpabilidade, ii. a potencial consciência da ilicitude e iii. a exigibilidade da conduta.


A capacidade de ser culpado é denominada de imputabilidade, que exige que o sujeito seja mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de agir de acordo com esse entendimento. Refere-se à capacidade psíquica do indivíduo. Por isso, são inimputáveis os que sofram doença mental ou tenham desenvolvimento mental incompleto ou retardado; sejam menores de 18 anos; estejam completamente embriagados por caso fortuito ou força maior ou sejam dependentes químicos. Em todos esses casos, o agente não tem condição de capacidade de ser culpado pelo ato. É claro que poderá sofrer outras consequências legais, como a medida de segurança, internação em estabelecimento para tratamento mental, mas não vai responder ao processo penal comum. Desse modo, se o agente não tem maioridade penal (menos de 18 anos) ou alguma outra condição que o terne incapaz, penalmente, configura-se a inimputabilidade, uma das excludentes de culpabilidade.


A potencial consciência da ilicitude será avaliada no caso concreto para apurar-se se, no momento do fato, o agente teria ou não a possibilidade de saber que fazia algo errado ou injusto, conforme o meio social, sua cultura, intelecto, resistência emocional e psíquica, dentre outros fatores. Quando o agente não detém essa potencial consciência da ilicitude, diz que ele está em erro de proibição ou erro de tipo, que são também outras excludentes de culpabilidade. Dependendo do caso concreto, essas situações podem isentar de pena ou reduzir a pena.


Isso significa, no primeiro caso, erro de proibição, que o agente entende que sua conduta não infringe a legislação, quando, na verdade, está praticando um ilícito. Exemplo: um estrangeiro que esteja há pouco tempo no Brasil, empresta dinheiro a alguém e como esse alguém não faz o pagamento na data combinada, ele entende que pode ir à casa do devedor pegar um objeto qualquer cujo valor se aproxime da quantia devida, porque isso é lícito em seu país; no entanto, no Brasil, isso configura o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. º 345 CP).


No erro de tipo, o agente, apesar de conhecer a ilicitude de determinada conduta, tem uma falsa percepção da realidade, o que lhe faz acreditar que não está cometendo crime. Exemplo: uma senhora que cultive maconha (art. 2º, lei 13.343/2006) num exuberante vaso na sala de casa, pensando tratar-se da “árvore da felicidade”.


Os erros de proibição e de tipo, como mencionado, são também excludentes de culpabilidade. Além da inimputabilidade e dos erros de proibição ou tipo, há mais uma excludente de culpabilidade: a inexigibilidade de conduta diversa.


Na hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, como é intuitivo, na circunstância em que o agente cometeu o crime, não se poderia exigir que agisse de uma maneira diferente, qualquer pessoa que estivesse na mesma situação, agiria da mesma forma. E quais são essas circunstâncias? Estado de necessidade, coação irresistível e obediência hierárquica.


Vamos a elas.


O estado de necessidade é a situação de perigo atual, aquela já vista em que estão em conflito dois interesses jurídicos e que a preservação de um, implica no sacrifício do outro. Imagine a circunstância de alguém matar animal pertencente a outrem para salvar um terceiro de seu ataque; ou o zelador que, ante a informação de vizinhos, entra no apartamento de moradores ausentes, sem conseguir contatá-los, para desligar o gás do fogão que ficou aberto; ou o transeunte que se apropria de automóvel para prestar socorro a uma senhora que desmaia na rua, levando-a ao hospital.


A coação irresistível pode envolver violência física ou coação moral ou psicológica, para obrigar o agente a cometer o crime. Exemplos: o gerente da empresa que, com o revólver na cabeça, é obrigado a fornecer o segredo do cofre; o empregado que desvia determinados produtos valiosos da empresa, sob ameaça de morte de seu filho. A vontade do agente é suprimida pela ameaça ou violência.


A obediência hierárquica isenta o agente que praticou a conduta criminosa por ordem de superior hierárquico. Porém, para que o agente fique isento de culpa, a ordem obedecida não pode ser manifestamente ilegal, ou seja, a ordem deve ter aparência de legalidade. Ordem manifestamente ilegal é aquela dada por funcionário incompetente, aquela cuja execução esteja foram das atribuições legais do agente; a que não obedece à forma legal; ou a que, evidentemente, constitui crime. Nesses casos, o subordinado pode recusar-se ao cumprimento, na verdade, deve recusar-se. Se cumpre, será culpável. Imaginemos a situação em que determinado bandido perigoso foge da cadeia e o delegado chama investigador novato, que começou a trabalhar naquela semana, para persegui-lo e “atirar para matar”. Como se trata de bandido perigoso, o investigador inexperiente, na situação conturbada da fuga, ao avistá-lo, cumpre a ordem do delegado. Nesse caso, o agente não seria culpável, mas o delegado, sim.



CRIME CULPOSO E CRIME DOLOSO



A conduta típica pode ser cometida com ou sem intenção de atingir o resultado danoso.


Assim, temos o crime culposo que é o cometido sem a intenção de atingir determinado resultado. É interessante resgatar aqui as três modalidades de culpa que vimos no texto passado: imprudência, imperícia e negligência. Elas se encaixam aqui também. O crime culposo é aquele cometido por imprudência, imperícia ou negligência. Num exemplo já citado, alguém ultrapassa o sinal vermelho, por desatenção, e causa acidente de trânsito, colidindo com outro veículo, no qual todos os ocupantes vêm a óbito: comete homicídio culposo. O agente não tinha intenção de matar aquelas pessoas especificamente (ou qualquer pessoa...), mas a morte delas decorreu diretamente de sua culpa, de sua imprudência (lembram-se do nexo causal? Olha ele aqui de novo!).


No crime doloso, o agente tem a deliberada intenção de atingir o resultado criminoso. O sujeito A, abandonado por sua namorada B, faz emboscada e mata o novo namorado dela, C. Ele saiu de casa para obter exatamente esse resultado: matar C. Comete homicídio doloso e, por isso, irá a júri popular.


A teoria da culpa é muito extensa e profunda no direito penal. No entanto, essa noção é suficiente para o nosso tema.



ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL



Outra noção importantíssima, inclusive na seara ambiental, é a da anterioridade da lei penal.


A máxima nullum crimen sine legem resume esse importante instituto penal, ou seja, “não há crime sem lei”. Aqui nos lembramos imediatamente da figura de autoridade que foi mencionada bem no início dos nossos estudos: o Estado. Ele detém o poder de legislar e a ele cabe determinar quais condutas serão criminalizadas (ultima racio, lembram-se?). E vimos que um dos elementos do crime é a tipicidade, ou seja, a descrição legal da conduta. Então, se a conduta não está descrita na lei penal, não há tipo, não há crime.


Isso nos leva uma situação importante, que visa garantir a estabilidade social, por meio da segurança e certezas jurídicas (sim, sempre elas!), da previsibilidade: a irretroatividade da lei penal.


Vejamos: Hoje entra em vigor uma lei que criminaliza a conduta de deixar a câmera desligada nas aulas on line, ou seja, os alunos que permanecerem com a câmera do computador ou celular desligadas praticam conduta típica. Como, em geral, as aulas são gravadas, determinado professor decide rever todas as aulas desde o início do semestre e denunciar todos os alunos que não ligaram suas câmeras. Que efeito terá isso para os alunos? Nenhum, a lei penal só vale a partir da data de sua entrada em vigência.


De outro modo não poderia ser, pois os alunos não poderiam prever que estavam praticando crime antes da lei ser estabelecida. E isso traria incerteza e insegurança jurídica.


Esse é um princípio básico do direito penal e visa também garantir que, em havendo mudanças drásticas na autoridade de determinado país, não se criem leis para criminalizar, prejudicar e perseguir antigos opositores, por exemplo.


O inciso XXXIX do art. 5º da nossa Constituição (cláusula pétrea) estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.



AUTORIA



Em direito penal, podemos ter as figuras do autor, coautor e do partícipe do crime. Popularmente, o co-autor e o partícipe são conhecidos como cúmplices.


Autor do crime é quem executa a conduta descrita na lei, o tipo. É quem mata alguém; quem subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, por exemplo.


O coautor ou coautores são as pessoas que executam a conduta descrita na lei junto com outra ou outras pessoas. Imaginem que no tipo homicídio, alguém segure a vítima e outra pessoa a esfaqueie no coração. São ambos coautores do homicídio. No tipo furto, uma pessoa distraia a vítima, ocupando sua atenção de alguma forma, e outra subtraia a bolsa da vítima.


Partícipe é quem, de qualquer modo, concorre (contribui, coopera) para a realização do crime, como aquele que fica de vigia ou dirige o carro da fuga. Ele não praticou o núcleo do tipo penal (matar ou subtrair, os verbos do tipo), mas prestou auxílio para que o crime acontecesse de modo satisfatório.



PENA



A pena é a consequência da prática do crime, fato típico, antijurídico e culpável. É resultado do exercício do direito de punir (jus puniendi) do Estado, depois de corrido o processo de apuração do fato e sua autoria.


A imposição de pena pelo Estado está sujeita a alguns princípios: reserva legal (previsão na lei e com anterioridade); pessoalidade (a responsabilidade penal é sempre pessoal e não pode passar da pessoa do condenado); a individualização (dentro do previsto em lei, ela deve ser especificada em cada caso concreto e não aplicada de forma geral); a proporcionalidade (crimes mais graves, penas mais graves; crimes mais leves, penas mais leves); da inderrogabilidade (uma vez estabelecida em condenação, deve ser fielmente cumprida, nos termos da lei); da dignidade humana (não haverá penas degradantes, como tratamento cruel) e vedação do bis in idem (ninguém será novamente processado por crime pelo qual já foi condenado para acrescer outra pena).


A pena tem um caráter de punição, que representa a reprovação social e é a satisfação que o criminoso deve à sociedade pela perturbação social que causou; mas também tem um caráter preventivo, pois o fato de haver penas previstas e conhecidas acaba inibindo o potencial criminoso na sociedade, ou seja, pessoas deixam de ter determinadas condutas em razão de não quererem se sujeitar às penas. Além disso, a pena deve ter um caráter recuperatório, ou seja, ela deve ser capaz de fazer com que o criminoso não se torne um reincidente, que não venha a cometer outros crimes. Essa última função tem sido difícil de ser colocada em prática no Brasil.

O tipo de pena mais conhecido é a restrição de liberdade, de cadeia. Mas, além dela, existem outras modalidades de pena e elas são importantes em termos de crimes ambientais: perda de bens; multa; prestação social alternativa; suspensão ou interdição de direitos (proibição do exercício de cargo; proibição do exercício de profissão; proibição de exercício de mandato eletivo; proibição de inscrever-se em concurso público; suspensão da habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determinados locais; limitação de fim de semana).

Questão muito polêmica é a pena de morte, que não é admitida no Brasil, exceto em caso de guerra.

Para a imposição de pena, devem estar presentes os elementos da culpabilidade, como vimos, mas, é claro, deve ser seguido o devido processo legal para a apuração e deve ser garantido o contraditório e a ampla defesa ao réu. No final do processo, havendo condenação, o juiz deverá, dentro das penas previstas para o tipo, individualizar a pena, ou seja, levará em considerações circunstâncias atenuantes e agravantes, entre outras coisas, para calcular a pena para aquele caso concreto, seja a multa ou o tempo de prisão, ou o estabelecimento de outros tipos de pena, quando cabíveis.



NORMA PENAL EM BRANCO



A última noção importante que veremos antes de falar dos crimes ambientais é a da norma penal em branco.


Vimos que para que alguém responda por um crime, deve ter praticado exatamente a conduta descrita na lei (tipicidade).


Acontece que, algumas vezes, existem tipos penais em que a descrição da conduta é feita de forma incompleta e depende de ser completada com outra norma existente ou futura.


Essa noção será útil no caso dos crimes ambientais e com um exemplo da área ambiental, vamos compreender melhor o que seja a norma penal em branco. Tomemos o caso do § 4º do art. 29 da lei nº 9.605/1998:


“Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.”


Muito bem. A pena para esse crime é aumentada se ele é praticado “contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção.”


Mas o texto da lei não traz quais são as espécies raras ou ameaçadas de extinção. Para o juiz de direito que conduz o processo penal de apuração do crime ambiental saber se deverá aumentar a pena aplicada ao réu, ele deverá consultar as normas do ente competente para estabelecer quais são as espécies em extinção ou raras (IBAMA).


Outro exemplo está no art. 54 da mesma lei:


“Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.”


Para saber quais os níveis máximos toleráveis devem-se consultar normas que os estabelecem. Aqui nos lembramos do princípio do limite, que impõe ao poder público o dever da fixação de parâmetros mínimos para emissões de partículas, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos etc.; e também do estabelecimento de padrões de qualidade – um dos instrumentos da PNMA, como resoluções do CONAMA, por exemplo.


Então norma penal em branco é aquela que depende de elemento legal externo para que alcance todo o seu sentido punitivo.



CRIMES AMBIENTAIS



Bem, feita essa digressão, resta falar sobre os crimes ambientais, pois a responsabilidade penal por crimes ambientais vai se dar nos moldes e limites do direito penal, como vimos.


Cumprindo o princípio da anterioridade, é a lei nº 9.605/1998 que trata dos crimes ambientais, assim como dos ilícitos administrativos ambientais.


Não vamos tratar aqui dos crimes em espécie, propriamente ditos, tendo em vista que são muitos. Mas, vamos alertar para alguns aspectos interessantes sobre o tema.


No caso do dano ambiental, o § 3º do art. 225 da Constituição da República (já citado várias vezes) diz:


“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”



O conceito jurídico de poluição, como já foi apontado, está no inciso III do art. 3º da lei nº 6.938/81:


“III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.”


E a definição de poluidor vem no inciso IV do mesmo artigo:


“poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”



Os crimes ambientais em espécie são a descrição das condutas que configuram o ilícito penal ambiental, como no art. 30, por exemplo:


“exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem autorização da autoridade ambiental competente.

Pena – Reclusão, de 1 a 3 anos e multa.”


Os crimes em espécie em matéria ambiental estão organizados na lei na seguinte ordem:

· crimes contra a fauna;

· crimes contra a flora;

· poluição e outros crimes;

· crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e

· crimes contra administração ambiental.


Uma inovação importante trazida pela lei nº 9.605/1998, em seu art. 3º, foi a inclusão da responsabilização penal da pessoa jurídica, fato inédito entre nós. Isso se fez em obediência à Constituição, bem como para dar concretude à lei da PNMA, no inciso citado acima, que considera pessoa jurídica como poluidora.


Isso é uma exceção no direito penal brasileiro, que só pune pessoas físicas. No entanto, é preciso registrar que a lei penal ambiental também penaliza as pessoas físicas que podiam agir para evitar o crime ambiental e não o fizeram. Vejamos o texto da lei:


“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”


Embora esse grande acerto do legislador, em alguns casos, nota-se certa incongruência ou incompatibilidade nas penas estabelecidas na lei.


Como exemplo, temos o crime previsto no art. 60:


“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.”


A pena estabelecida para esse tipo é de detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.


Vamos confrontá-lo com o crime previsto no art. 65:


“Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano.”


A pena prevista é de detenção mínima é de três meses a um ano, e multa.


Ora, o potencial de degradação das condutas contidas no art. 60 é muitíssimo mais grave e de muito mais difícil reversão do que a prevista no art. 65. A infração do art. 60 burla todo o sistema de licenciamento ambiental, mecanismo de proteção ambiental mais efetivo que temos. No entanto, as penas previstas no art. 60 são menores quando comparadas à prevista para alguém que piche um monumento. É claro que é uma conduta muito reprovável, pois o edifício ou monumento em questão podem ser extremamente significativos para aquela coletividade. Mas a pena do art. 60 é muito branda, quando comparada a do art. 65.


Para os profissionais das áreas técnicas, que têm grande probabilidade de atuarem em estudos ambientais para procedimentos de licenciamento ambiental ou congêneres, é importante saber que o art. 69-A da lei criminaliza a elaboração ou apresentação de estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, prevendo pena de reclusão de três a seis anos e multa.


Observe-se, ainda, que a pena será aumentada de um a dois terços se houver danos significativos ao meio ambiente em decorrência do uso da informação falsa, incompleta e enganosa prestada pelo profissional.


Isso se deve ao fato do instrumento do licenciamento ser um dos mais importantes na prevenção do dano ambiental e à relevância do direito constitucional ao meio ambiente saudável e equilibrado para toda a sociedade, muito embora o próprio legislador penal ambiental tenha tratado com certo menosprezo esse instrumento no art. 60.


Indo adiante, quando ocorre um crime ambiental, é o representante do Ministério Público que deve iniciar a ação penal (legitimidade ativa), que terá por objetivo a comprovação ou não da conduta ambiental criminosa e a imposição de pena em caso de condenação. A ação penal deve ser proposta no juízo do lugar em que o crime foi praticado (competência para processar o degradador).


Da mesma forma que o Ministério Público pode propor ou aceitar um termo de ajustamento de conduta (TAC) para reparação na seara civil do dano ambiental, o que, muitas vezes pode ser o caminho mais vantajoso para o meio ambiente, para o Judiciário e, até, para o degradador, em matéria penal, em determinadas circunstâncias, por ser feita uma composição penal, o que também pode ser bem interessante.


Nos termos do art. 89, lei nº 9.099/1995 (essa lei regula o que popularmente ficou conhecido como juizado de pequenas causas), se o crime praticado tiver pena mínima prevista igual ou inferior a um ano, ou seja, for um crime de menor potencial ofensivo, o MP poderá propor a suspensão condicional do processo-crime, desde que o acusado não seja reincidente em crime doloso e não esteja sendo processado por outro crime. Trata-se de uma excepcionalidade.


Se o acusado aceitar a proposta do promotor, o juiz dirá as condições que devem ser seguidas no período de suspensão, geralmente, a abstenção de determinada conduta ou restrição de direito ou obrigação de fazer, que pode durar de dois a quatro anos. Em geral, as condições têm a ver com o tipo praticado, então, é normal que em matéria de crime ambiental, a abstenção de conduta, as restrições ou obrigações estejam ligadas a questões ambientais.


No final do prazo estipulado, se as condições tiverem sido satisfatoriamente cumpridas, será extinta a punibilidade e o acusado estará liberado. Caso não cumpra as condições determinadas, o processo continuará. Pode, eventualmente, caber a transação penal (art. 76, lei nº 9.099/1995), cumpridos certos requisitos, em que o promotor vai negociar a pena com o acusado.


Lembremos que o acusado de crime ambiental pode estar também sendo processado civilmente e pode ter lançado mão de um TAC, o que faz com que as obrigações da esfera civil se somem às da suspensão condicional do processo-crime, sem que isso configure bis in idem, pois são áreas distintas de responsabilidade.


Vamos a um exemplo fora da questão ambiental: voltemos a pessoa que ultrapassou o sinal vermelho, colidiu com outro veículo, cujos ocupantes morreram. Esse agente vai responder por homicídio culposo, na esfera penal, e também poderá responder pelos prejuízos causados e lucros cessantes aos familiares dos falecidos, por exemplo, na esfera cível, pelos danos do carro e, em havendo filhos menores ou dependentes, deverá indenizá-los, tendo em vista que não mais terão aquele que provinha o seu sustento.


Caso não haja ou não seja caso de composição penal, a pena de restrição de direitos pode envolver: suspensão da atividade; interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o Poder Público; proibição de receber subvenções, subsídios ou doações do PP.


A pena de prestação de serviços à comunidade pode se dar na forma de: custeio de programa/projeto ambiental; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos ou contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas

Às pessoas jurídicas não é possível prever pena privativa de liberdade (cárcere, cadeia), como é óbvio, pelo simples fato de que as pessoas jurídicas não têm corpo físico. As penas aplicáveis às pessoas jurídicas em razão de crime ambiental serão: multa, restrição de direitos ou prestação de serviços à comunidade.




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