PATRIMÔNIO AMBIENTAL
Antes de abordar o que venha a ser o patrimônio ambiental, é preciso compreender a ideia de patrimônio, genericamente.
Patrimônio é o conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa (física ou jurídica), ou seja, o que ela tem de bens (ativos) e dívidas (passivo). Assim, se quisermos achar o patrimônio livre ou disponível de alguém, será preciso subtrair as suas dívidas do valor total de seus bens e direitos.
A noção de conjunto é importante para a compreensão do que seja o patrimônio, em especial, o ambiental. Em que pese isso, se alguém tiver um único bem, seu patrimônio a ele se resumirá.
Se o patrimônio pode ser compreendido, genericamente, como o conjunto de bens, é útil entender o que o direito considera bem. A noção jurídica de bem se refere a tudo sobre o que a pessoa pode exercer domínio.
Os bens podem ser corpóreos ou incorpóreos e sobre eles sempre recai algum valor humano. Desse modo, o bem é sempre algo representativo seja de um valor econômico, afetivo, cultural, histórico, familiar etc.
Assim, todo bem incorpora um valor importante para alguém e está sob o domínio, sob a esfera de poder, de alguém. É do senso comum a noção de que as pessoas (sujeitos de direito) sejam donas de seus bens e coisas (objetos de direito). Toda coisa tem um dono... ainda que várias pessoas possam ser donas juntas de um mesmo objeto de direito, em comunhão. Quem é dono de algo detém os direitos sobre a coisa.
Retomando a ideia de patrimônio como conjunto de bens, é simples compreender que patrimônio ambiental é o bem ou conjunto de bens culturais ou naturais de valor reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade, passíveis de proteção legal para sua preservação para o usufruto de todos os cidadãos, das presentes e futuras gerações.
Se os recursos naturais ou culturais são considerados bens – porque incorporam valores importantes para o ser humano (olha o antropocentrismo aí, novamente...) -, têm, então, dono.
E quem é o dono, o titular do patrimônio ambiental? A resposta, já sabemos, está no artigo 225 da Constituição da República (sim, tudo parte dele!): o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo.
Dissemos acima que um único bem pode ter vários donos ao mesmo tempo e a propriedade se exerce em comunhão, ou seja, todos podem usar e fruir do bem, participando equitativamente de seus frutos e vantagens e responsabilizando-se por ele.
Bem de uso comum do povo é, portanto, um bem de que todo o povo pode usufruir e pelo qual deve velar, cuidar.
Por isso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável é um direito difuso, ou seja, que abrange, indistintamente, toda pessoa pelo simples fato de pertencer à raça humana. É um direito transindividual difuso. Falaremos mais a esse respeito oportunamente.
Ao patrimônio ambiental vão se aplicar os princípios ambientais que listamos: do direito humano fundamental, da dignidade, democrático, do equilíbrio, do limite, da prevenção, da precaução, do desenvolvimento sustentável, da função sócio-ambiental da propriedade, da intervenção estatal e da onipresença, entre outros.
O patrimônio ambiental tem sido abordado em três aspectos ou perspectivas distintas: natural, cultural e artificial.
Então, podemos encontrar as expressões patrimônio ambiental natural, patrimônio ambiental cultural e patrimônio ambiental artificial.
Integram o patrimônio ambiental em sua perspectiva natural: o ar, a água, o solo, a fauna e a flora. Esse aspecto é de compreensão intuitiva e acompanha o homem desde sempre, pois envolve tudo aquilo que existe sem a participação direta do homem, todos os bens que sejam produzidos pela natureza.
Já a ideia de patrimônio cultural começou a surgir no início do século XX, atrelada à ideia de patrimônio histórico, como um bem de titularidade pública, podendo ser móvel ou imóvel, que representava uma referência cultural para certa comunidade, produto da manifestação da dinâmica cultural de um povo ou região.
A influência do modernismo (movimento artístico inaugurado com a Semana de Arte Moderna de 1922 que se caracterizou pela ruptura com as tradições acadêmicas, pela liberdade de criação e de pesquisa estética, e pela busca de inspiração nas fontes mais autênticas da cultura e da realidade brasileiras[1]) nos anos 1920-1930, no Brasil, fez surgir, em 1937, o decreto-lei nº 25, que ficou conhecido como Lei de Tombamento, que é vigente até hoje, para a proteção de bens materiais e imateriais representativos da identidade de um povo.
Tais bens podem ser considerados de modo individual ou em conjunto. Assim, o patrimônio histórico está vinculado a fatos memoráveis da história de um povo ou lugar. O reconhecimento de que bens poderiam incorporar o valor histórico, abriu as portas para que se reconhecesse, também, que eles eram capazes de representar outros valores não econômicos, como valor arqueológico, etnográfico, paisagístico, bibliográfico ou artístico e todos eles passaram a receber proteção legal de preservação, não pelos bens em si, mas pelos valores que eles podem representar para as pessoas.
A nossa Constituição atual traz um conceito de patrimônio ambiental cultural, no seu artigo 216: “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. E a Lei Maior dá exemplos do que se pode considerar como patrimônio ambiental cultural:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
É, como se vê, um conceito bem amplo e abrangente!
E como é que se busca, juridicamente, a preservação disso tudo?
A proteção do patrimônio ambiental passa, em primeiro lugar, pela identificação do bem e seu valor, para, então, estabelecer-se a medida protetiva, que pode ser uma lei específica ou um ato administrativo: tombamento, desapropriação, registro de patrimônio imaterial ou, até, nos dias atuais, uma decisão judicial em ação civil pública, ação popular ou, mesmo, um processo crime por dano ambiental.
O tombamento de um bem institui um regime de propriedade especial sobre ele, que, embora possa continuar a ser utilizado pelo dono, que pode, inclusive, vendê-lo, em caso de modificações, precisará de autorização pública e acompanhamento dos órgãos competentes, a quem cabe dar apoio técnico ao proprietário do bem para a execução das alterações, de tal forma que o bem não perca suas características culturais.
O tombamento pode ser voluntário, partindo a iniciativa do próprio dono do bem, ou compulsório, quando o Estado identifica o valor cultural presente no bem e lhe restringe o direito de propriedade, mesmo contra a vontade do proprietário.
Já o aspecto artificial do patrimônio ambiental enseja proteção na perspectiva de ordenação dos espaços habitáveis, com vistas à funcionalidade das cidades. Refere-se, portanto, aos processos de urbanização e ordenação das cidades, levando em consideração suas cinco funções básicas: habitação, lazer, trabalho, circulação e saneamento. Por isso, a proteção ao patrimônio ambiental artificial tem muita proximidade com o direito urbanístico, que se ocupa tanto do espaço urbano aberto, como do espaço urbano fechado e seus instrumentos estão, em grande medida, contidos nessa área do direito.
Os principais instrumentos de proteção ao patrimônio ambiental artificial são os planos diretores, as leis de zoneamento, as leis de uso e ocupação do solo e os códigos de posturas dos municípios. Estes instrumentos são decorrentes da Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade.
Seu principal objetivo é conseguir que as cidades brasileiras sejam sustentáveis, considerando as dimensões sociais, econômicas, culturais e políticas dos municípios.
O Estatuto da Cidade leva em conta o princípio democrático, que determina que as medidas mais importantes para a vida das cidades tenham a participação dos cidadãos em sua decisão. Também tem grande importância o princípio da função social da propriedade, que estabelece que a propriedade seja exercida de modo a não trazer danos e prejuízos coletivos e, ainda, a contribuir da melhor forma para a coletividade.
Outra perspectiva que ganha forças dentro da noção de meio ambiente artificial é o meio ambiente do trabalho, ideia que parte das noções de salubridade e segurança do trabalho, ou seja, nenhum trabalho deve ser causa de diminuição da capacidade laborativa das pessoas, ou expô-las a riscos e moléstias. Esse cuidado se baseia, logicamente, na noção já estabelecida da dignidade da pessoa humana. O objetivo de se determinar o que seja meio ambiente do trabalho é diminuir o potencial de doenças e acidentes.
Do mesmo modo que a proteção do meio ambiente artificial citado acima tem grande confluência com o direito urbanístico, a proteção do meio ambiente do trabalho está contida no direito do trabalho, que tem regras próprias, órgãos de fiscalização específicos e, até, uma justiça federal especializada.
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª ed.. 14ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s.d. p. 934.